A ressaca da pátria de chuteiras

Como os que acompanham este espaço puderam comprovar, como vidente e comentarista esportivo, este que vos escreve é somente um bom blogueiro.

Não, o Santos não ganhou do Barcelona. Não, não conseguiu sequer fazer um jogo minimamente duro contra o Barça. Não, não deu nem pra torcer.

Em outros tempos, a segunda-feira subseqüente seria compartilhada entre torcedores enlutados do time derrotado e eufóricos secadores torcedores dos demais times.

Nada disso aconteceu nesta segunda. Como Juca Kfouri bem reparou, foi um dia de silêncio no futebol brasileiro. A derrota era esperada, previsível até. Mas nem o mais pessimista dos santistas esperava pela sardana dominical (Sardana é a dança típica da Catalunha, aquela rodinha que os jogadores do Barça fizeram depois de encerrada a partida).

Ok. Muricy fez mais uma presepada ao jogar fora cinco meses de preparação e escalar o time de uma forma que nunca tinha jogado antes. Poderia ter deixado Durval de fora da escalação e, com isso, diminuir o placar de 4 para 3×0.

Mesmo assim, é do melhor time do Brasil que estamos falando. De um time que reúne do meio da frente suas duas maiores promessas para 2014: Neymar e Ganso. Nenhum dos dois sequer viu a cor da bola no domingo. Tudo bem que o Barcelona seja o melhor time do mundo. Mas quando o melhor time do Brasil não consegue nem fazer com que o adversário sue a camisa, há algo de errado no ar.

Muita gente disse e repetiu que o Barcelona chegou ao que é hoje por conta de um planejamento que começou há 30 anos. De certo modo, o futebol brasileiro que assistimos hoje também expõe os resultados de um planejamento desenhado há 30 anos.

Em 1982, a seleção brasileira – jogando o futebol mais vistoso desde a mágica seleção de 70 – perdeu para Itália por 3×2, no jogo conhecido como Tragédia de Sarriá. Perdeu de pé, mas, de certo modo, algo mudara na cabeça de jogadores e treinadores. Para todo o sempre, seria repetido o chavão: “você quer jogar bonito e perder ou jogar feio e ganhar?”

Desde então, o futebol de toque de bola e dribles desconcertantes seria substituído por um futebol de força e explosão, baseado unicamente no resultado. Mesmo Telê Santana – técnico em 1982 – rendeu-se de certo modo a esse estilo de jogo ao escalar um time com dois volantes brucutus (Elzo e Alemão), ao contrário do quadrado mágico de Sócrates-Zico-Falcão-Cerezo de 82. A classe e a elegância foram eclipsadas pela velocidade e a força física. Pouco a pouco, o futebol brasileiro foi perdendo sua identidade.

Em suas colunas semanais, Tostão já ficou rouco de dizer que os técnicos e os comentaristas de futebol concentravam-se somente nas atuações individuais dos jogadores. Escalação ou substituição durante o jogo, eis ao que se resumia o panorama futebolístico nacional. Ninguém discutia mudanças táticas, alternativas de jogo. Ninguém procurava entender como o Barcelona, sem nenhum atacante de ofício, conseguia fazer tantos gols. E, como sem nenhum volante brucutu, conseguia roubar tantas bolas e não deixar o adversário jogar.

Tostão deixava claro que o Barcelona só atingira o nível atual porque jogava como um time, isto é, com os 11 jogadores perfeitamente integrados. No Brasil, ao contrário, os times jogam em compartimentos estanques: defesa, meio de campo e ataque. Não há diálogo ou cooperação entre eles. A defesa marca; o meio de campo marca e, às vezes, cria; e o ataque ataca. Todo mundo só faz uma coisa em campo.

Como Juca Kfouri ressalta em sua coluna, a derrota do Santos para o Barcelona talvez tenha feito finalmente cair a ficha de onde estamos. Vivemos tardiamente a ressaca da vergonhosa derrota da seleção na Copa de 2010. O auge desse novo estilo de jogo foi a seleção de 2010. Baseava-se somente em força física e velocidade, comandada pelo melhor representante dessa “filosofia”: Dunga. E deu no que deu.

De certa forma, é como se só agora nos déssemos conta de onde estamos. A torcida que fica é que, do mesmo modo que a derrota em 82 resultou numa inflexão no modo de jogar da seleção e dos times brasileiros, também o baile catalão de domingo resulte numa virada da filosofia.

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