Occuppy Wall Street, ou a falta de consciência dos liberais

Já há algum tempo roda o noticiário um movimento sem bandeiras, sem líderes e, no limite, sem propostas formuladas: Occupy Wall Street.

O movimento é disforme, multifacetado e sem coloração política definida. À primeira vista, lembra o movimento e a algazarra do iluminado ano de 1968, no qual o mundo foi sacudido por uma onda revolucionária que emparedou meio mundo de governantes mundo agora. Tudo isso sem que houvesse exatamente uma “pauta” definida.

Os mais apressados chamariam logo de anarquia a balbúrdia produzida por jovens que reclamam de tudo mas não oferecem nada para pôr em seu lugar. Mas o buraco é mais embaixo.

Na semana passada, o Elio Gaspari escreveu sobre isso (Os doidos sábios e os sábios doidos). Longe de anarquizar, o movimento demonstrava uma estranha ordem em meio ao caos: “Os canteiros de flores, intocados, e jovens (uma de luvas) recolhiam o lixo”. Era como se a multidão quisesse demonstrar sua superioridade moral contra aqueles que enfrentam, superioridade que seria logo descartada caso o movimento descambasse para arruaças e violência.

Nesse texto, Gaspari tenta decifrar o que se passa nas mentes das pessoas que querem “ocupar” a maior praça financeira do mundo. Sua tese é a seguinte: ninguém aguenta mais financiar a gastança desenfreada do “mercado” à custa da fragmentação do tecido social do andar de baixo. Ao mesmo tempo em que os lucros das corporações nas alturas e os executivos ganhando os velhos e bons bônus de desempenho, os salários estão no patamar mais baixo em décadas.

Descendo à análise macroeconômica da questão, Delfim Netto credita a origem do movimento à mesma raiz: a desgraça econômica do andar de baixo a cevar a esbórnia do andar de cima. Em “a origem da crise“, Delfim relata que a renda per capita de hoje é exatamente a mesma de 1986. O nível de desemprego nos EUA quase dobrou, de menos de 5% para mais de 9%. Pra piorar, a derrocada dos “mercados” transformou em pó o patrimônio de uma população acostumada a depositar nas ações de grandes empresas a poupança de suas vidas.

Toda essa desgraça produzida pelos “çábios” do mercado ganha contornos mais graves quando na outra ponta – a política – não se encontram líderes suficientemente aptos para enfrentar de frente o problema.

Pra quem quiser estudar a questão mais a fundo, recomendo a leitura de A consciência de um liberal, de Paul Krugman.

Nesse livro, Krugman defende uma tese simples: os Estados Unidos só se tornaram o que se tornaram por conta da intervenção direta do Estado na distribuição de renda. Efeito da decisiva liderança de Franklin Roosevelt, que, no desolador cenário pós-depressão de 1939, decidiu enfrentar o mercado dizendo que aqueles que imploravam “lacrimosamente” pela “restauração da confiança” formavam uma “geração de egoístas” sem visão. E “quando não há visão o povo perece”. Sem cerimônias, afirmou que a a restauração da confiança somente teria lugar quando a sociedade implementasse “valores sociais mais nobres do que o simples lucro monetário”.

Com esse discurso, Roosevelt enquadrou os falcões do mercado. Como Krugman gosta de repetir, “as sociedades de classe média não emergem automaticamente à medida que a economia amadurece; têm de ser criadas por via da ação política”. Em seu livro, Krugman mostra como as leis de limitação de lucros adotadas no período do New Deal foram a mola propulsora para tornar a sociedade americana uma imensa sociedade de classe média. E analisa também como a teia normativa que sustentava a relativa distribuição de renda na maior economia capitalista foi sendo demonstada aos poucos desde o Governo Reagan.

O problema é que, olhando-se ao redor, vêem-se Obamas, Camerons e Sarkozys. Faltam Roosevelts, Churchills e De Gaulles. Sob os frágeis títeres da atualidade, os “çábios” do mercado deitam e rolam. Não há ninguém com estatura política e disposição suficiente para colocá-los em seu devido lugar.

A pergunta é: Occupy Wall Street vai conseguir operar o milagre do surgimento de novos estadistas?

A conferir.

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