Meus caros amigos, brasileiros, compatriotas, lede-me!

Em um post anterior, falei do magnífico discurso de Pedro Simon, na audiência do Senado que detonou Luís Carlos Mendonça de Barros, Ministro das Comunicações do governo Fernando Henrique. Nesse discurso, Pedro Simon utilizou-se do discurso proferido por Marco Antônio no enterro de Júlio César, segundo as palavras que lhe foram postas na boca por Shakespeare.

Não é pra menos. Trata-se daquele que é considerado o maior discurso político da História.

A história é conhecida de todos. Após destronar o triunvirato de que fazia parte, César passou a mandar em Roma como ditador. Nesse caso, literalmente, pois ditadores eram aqueles a quem se concediam plenos poderes para restaurar a ordem em tempos de crise na República romana.

Insatisfeitos, um grupo de senadores tramou o assassinato de César. Com uma dose de esperteza, trouxeram para a conspiração até mesmo Brutus, seu filho adotivo. O propósito não era outro senão o de “legitimar” o assassinato de César. Os conspiradores, na verdade, estariam “libertando” o povo de um tirano.

Tudo correu às mil maravilhas. César não desconfiou de nada. No dia 15 de março do ano 44 A.C., o grupo assassionou César a facadas. Reza a lenda que Brutus teria dado a última delas. E César, jazendo sob as feridas, teria dito: Et tu, Brutus?

No enterro, Cássio e Brutus – os cabeças da rebelião – tinham tudo planejado. Discursariam “explicando” o que acontecera, e como, de certo modo, deveriam ser “louvados” por ter livrado Roma daquele estorvo.

O plano funcionou como um relógio. Após os discursos, a multidão queria mais era ver a caveira de César, mesmo. Se vivo estivesse, era capaz de ser linchado por ela.

Mas uma coisa não estava no script. Marco Antônio, general, amigo de fé, irmão camarada de César, pediu a palavra. “Ok, vai. Deixa ele falar. Que mal pode fazer?”, devem ter pensado Brutus e Cássio. Ninguém esperava que Marco Antônio pudesse fazer o que fez. Afinal, tratava-se de um “bronco”, chucro, mesmo. Dali não poderia sair nada que se comparasse ao poder oratório de Brutus.

Foi aí que a porca entortou o rabo. Marco Antônio começa suave. Disfarça suas intenções. “Vim para enterrar César, não para elogiá-lo”. Cita as acusações de Brutus e cia., sempre acompanhado da expressão: “E Brutus é um homem honrado…”

Um a um, vai enumerando os feitos de César. De como Roma mudou no seu governo. De como Roma devia a César. Feito isto, passa a apelar ao coração da malta. Diz que está com seu testamento em mão. Porém, não vai lê-lo:

“Não devo lê-lo! Não convém ficardes sabendo quanto César vos amava. Não sois feitos de pau, nem de pedra, sois homens; e, como homens, ao ouvirdes o testamento de César, ficaríeis exacerbados pela indignação. Não é conveniente saberdes que sois vós os seus herdeiros, pois se o soubésseis, oh!, o que não poderia acontecer!”

Obviamente, a escumalha fica doida pra saber o que tinha no tal testamento. Marco Antônio atiça ainda mais a curiosidade da multidão e cada vez mais vai despertando a compaixão da plebe pelo defunto. Entrementes, encontra tempo até pra tirar onda com Brutus:

“Porque não tenho talento, nem eloquência, nem mérito, nem estilo, nem gestos, nem o dom da palavra que inflama o sangue dos ouvintes, e contento-me em falar tal como falo, simplesmente, dizendo-vos apenas o que todos sabeis; mostro-vos as feridas do bondoso César, estas pobres bocas mudas, e são elas a falar por mim! Mas se eu fosse Brutus, e Brutus fosse António, esse António haveria de exasperar os vossos ânimos e, a cada uma das feridas de César, uma voz dar, capaz de comover e amotinar cada uma das pedras de Roma”.

Depois de fazer muito suspense, Marco Antônio revela as últimas vontades de César:

“Aqui o tendes[o testamento], ainda com o selo de César. César deixa a cada um de vós, cidadãos romanos, setenta e cinco dracmas. Além disso, deixou-vos os seus passeios públicos, os seus caramanchões privados e os seus jardins deste lado do Tibre. Sim, deixou-vos, para sempre, para os vossos herdeiros, como pontos de usufruto comum, para que neles pudésseis passear e distrair-vos. Foi um César, realmente! Quando tereis outro igual?”

Em fúria, a multidão vira-se contra Cássio e Brutus, que fogem. Algum tempo depois, ambos se matam. Marco Antônio assume como imperador de Roma.

È vero, ninguém sabe ao certo se o relato de Shakespeare é fiel aos acontecimentos históricos. Talvez as coisas não tenham se passado de um modo assim, tão romanceado.

Mas, convenhamos, fica bem mais bonito, não acha?

Abaixo, a íntegra da cena do discurso, numa atuação soberba de Marlon Brando. Pena que sem legendas em português:


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4 Responses to Meus caros amigos, brasileiros, compatriotas, lede-me!

  1. Avatar de Amaral Amaral disse:

    VAi acabar tomando o lugar do Bial naqueles discursos de “eliminação BBB” (ahahah).
    Muito bom post. Abç

  2. Avatar de Rômulo César Júnior Rômulo César Júnior disse:

    os textos do Bial ao menos contam como discursos? pensei que estivessem na categoria delirios.:O

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