Pacificar o quê?, ou O falso debate da anistia

A mais nova piada que corre nos ares desérticos do Planalto Central é a história da “pacificação”. Suposta panacéia para todos os males nacionais, a tal da pacificação viria através da “anistia”. Por meio de um projeto de lei do Congresso, a idéia seria perdoar todos os golpistas do 8 de janeiro – inclusive a cúpula do golpe e seu beneficiário-mor, Jair Bolsonaro -, como se nada do que aconteceu e do que se descobriu até aqui tivesse acontecido. Vendida como remédio, a solução é veneno.

Pra começo de conversa, os defensores da “anistia ampla, geral e irrestrita” têm o dever de explicar o que é que se pretende pacificar exatamente com esse projeto. Por acaso o país está conflagrado? Estamos numa guerra civil fratricida, contando centenas de mortos por dia? Há greves ou desabastecimento generalizado? Há pelo menos piquetes nas ruas?

Não, nada disso. O país vive em sua mais plena normalidade democrática. Na verdade, a maior normalidade democrática de sua breve história de quarenta anos de redemocratização. Pela primeira vez desde a Proclamação da República, generais e civis golpistas foram às barras dos tribunais serem condenados por atentarem contra o Estado de Direito. As ruas permanecem tranquilas e, salvo o saudável exercício da democracia que terminou no enterro da PEC da Bandidagem, continuam quietas. Oficiais de quatro estrelas foram sentenciados a duas dezenas de anos de cadeia e não se ouviu sequer murmúrio vindo das Forças Armadas contra o STF.

Cadê o conflito? Cadê a confusão? Salvo as arruaças promovidas pela turma do dedo no c* e gritaria da extrema-direita congressual, não existe um único elemento sequer que autorize pensarmos numa anistia para “pacificar” o país. No final das contas, a “pacificação” não passa de um discurso fajuto destinado a passar pano para quem tentou, por meio da força. derrubar a ordem democrática após ter perdido a eleição. Para além de Bolsonaro e seus generais golpistas, a ninguém – absolutamente ninguém – interessa o perdão generalizado aos crimes que foram cometidos.

Ademais, discutir anistia nos termos em que estão sendo propostos é um acinte até mesmo a quem tem ojeriza à esquerda. Qualquer tipo de perdão tem de começar, necessariamente, com o reconhecimento da parte a ser perdoada de que errou. Em todos os casos e em todas as épocas que se decidiu pela anistia verdadeira, houve um processo de distensão entre dois lados que partiram para os extremos. Para promover uma reconciliação nacional, perdoam-se todos e vida que segue.

Aqui, não. Não há dois lados que se atacaram mutuamente, à margem da legalidade. O que há, de um lado, são terroristas bandidos que tentaram abolir o Estado de Direito e, do outro, um lado que simplesmente quer ver a lei aplicada. E o que é pior: os golpistas nem sequer reconhecem que tentaram um golpe de Estado. O que eles querem, no fundo, é somente a impunidade pelos crimes que cometeram. Como, então, cogitar-se de anistia?

Na verdade, o que existe é um balé de elefantes, no qual um liberticida mimado encontra-se em franco desespero por, pela primeira vez na vida, ver-se diante da possibilidade de responsabilização pelos seus atos; e, do outro, o Centrão dinheirista, interessado somente no cesto de votos que Bolsonaro tem para tentar eleger um tecnocrata que possa ser comandado pelo grupo a partir de 2027. O favorito dessa galera é o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, mas eles topam fazer negócio pelo do Paraná, Ratinho Jr.

O problema, como foi antecipado aqui, é que falta combinar com os russos. Ou, mais especificamente, com os Florida Boys, Eduardo Bolsonaro e Paulo Figueiredo. Se o Centrão se arranjar com o chefe do clã, Dudu Bananinha já avisou que se lançará sozinho à presidência, liderando o que ele mesmo diz ser uma “linha mais ideológica”. Variante do Talibã, a extrema-direita “eduardista” pretende correr na faixa aberta por Paulo Marçal, canibalizando uma possível concorrência da “direita permitida”, expressa nas candidaturas de Tarcísio de Freitas ou Ratinho Jr.

O que fica claro, portanto, é que o único setor nacional que precisa de pacificação é a extrema-direita bolsonarista. Quanto ao resto do país, vai bem, obrigado.

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