A construção de Itaipu, ou A tragédia de Sete Quedas

Um dos lugares mais interessantes para se conhecer no Brasil é Foz do Iguaçu. Palco geográfico da chamada “tríplice fronteira” (Brasil-Paraguai-Argentina), Foz do Iguaçu compõe, ao lado do Rio de Janeiro e talvez mais umas três cidades, o circuito turístico obrigatório de quem quer conhecer o Brasil e se deslumbrar com suas belezas naturais.

Muita dessa relevância turística se deve, é claro, às famosas Cataratas do Iguaçu. Dotada de uma organização que não faz feio em qualquer lugar do mundo, as Cataratas são destino incontornável de quem vai visitar aquele recanto no Sul do Brasil. A entrada é organizada por horários, de modo a não haver (muita) aglomeração de turistas, e o traslado é feito através de ônibus do próprio parque. Além do passeio de barco conhecido como Macuco Safari, através do qual você vai rio acima até a beira das Cataratas (como direito a “banho”, caso você opte pelo “passeio molhado”), há ainda a opção de trilhas e passeios de bicicleta, em um dos resquícios de mata atlântica mais bem preservados do país.

Ao lado dela, a outra visita obrigatória é a de Itaipu. Maior usina hidrelétrica do mundo até a inauguração da usina de Três Gargantas na China, Itaipu é, sem sombra de dúvidas, uma maravilha da engenharia mundial, em geral, e um orgulho para a engenharia brasileira, em particular. São 14 mil gigawatts de potência, geradas através de 20 turbinas. A dimensão da usina é tão absurda que a vazão de apenas duas de suas turbinas equivale à vazão média de TODAS as cataratas do rio Iguaçu.

Curiosamente, no entanto, no passeio de Itaipu, ninguém fala ou sequer faz referência àquela que era a maior maravilha natural de Foz do Iguaçu e, possivelmente, do próprio Brasil. Em um aparente processo de “apagamento histórico”, um dos marcos naturais mais famosos da geografia nacional é simplesmente esquecido pelos guias e pelos vídeos explicativos. Trata-se, aqui, das outrora famosas “Sete Quedas”.

Sete Quedas, ou “Salto do Guaíra”, era um complexo de cachoeiras que rivalizava em grandeza e em beleza com as Cataratas do Iguaçu. Eram 18 cachoeiras principais, divididas em setes grandes grupos (daí o nome de “Sete Quedas”). O volume de água médio do complexo era duas vezes maior do que as tão propaladas Cataratas do Niagara, nos Estados Unidos, e treze – isso mesmo, TREZE – vezes maior do que o das Cataratas. Com algumas quedas chegando a mais de 40m, Sete Quedas era considerada a maior queda d’água em volume do planeta. Visitantes do Brasil e do mundo inteiro vinham a Foz do Iguaçu apenas para conhecer essa maravilha da natureza.

Todavia, havia um governo militar no meio do caminho. Desde a assinatura do primeiro acordo de cooperação entre Brasil e Paraguai nos anos 60, sabia-se que os gorilas queriam explorar o potencial hidráulico daquela quantidade colossal de água. A altura impressionante de Sete Quedas, associada ao volume boçal de água, tornavam a geografia do local o pretexto perfeito para construir uma imensa hidrelétrica na região. Como a potência de uma usina é proporcional à força com a qual a água é capaz de mover suas turbinas, tamanha queda e volume de água certamente propiciariam um gigantesco potencial energético.

Do ponto de vista estritamente elétrico, a solução era óbvia. Itaipu geraria mais de 90% da energia consumida pelo Paraguai e mais de 25% da energia que o Brasil consumia à época. Dividida à metade, a energia produzida pela usina pertenceria aos dois países. Como o Paraguai simplesmente não tinha como consumir tanta quantidade de quilowatts, o acordo de Itaipu previu que a energia excedente seria obrigatoriamente vendida ao Brasil. Tendo pagado pouco ou quase nada da construção da usina, o Paraguai ganhou autonomia energética cedendo praticamente só a autorização para que o Brasil a construísse.

Do ponto de vista ecológico, contudo, o buraco era mais embaixo. Pelo projeto original, a construção de Itaipu implicaria um reservatório de absurdos 1.350 km². Pela altura da barragem, dentro dessa imensa área alagada submergiria, sem direito a defesa, o Salto de Sete Quedas. Ambientalistas da época argumentaram que, caso o trajeto da represa fosse alterado, ou mesmo a barragem não tivesse um pé direito tão alto, o alagamento de Sete Quedas poderia ser evitado.

Mas, como sabemos, o Brasil vivia uma ditadura. E, numa ditadura, mandam os burocratas. O restante cala a boca ou enfrenta as consequências, incluindo perseguição, tortura e morte. Durante mais ou menos uma década, Itaipu foi sendo erguida naquele ponto específico do rio Paraná, ao sul de Sete Quedas.

Quando a construção foi finalizada e as comportas da usina iam se fechar para represamento da água, a comoção foi geral. Milhares de pessoas acorreram para Foz do Iguaçu, na esperança de ver pela última vez a maravilha das Sete Quedas. No meio do tumulto, muita gente se aglomerou em uma das pontes que permitia a visão das Sete Quedas. A ponte rompeu pelo peso e trinta e duas pessoas morreram depois de caírem no rio. À tragédia ambiental somava-se a tragédia humana.

Como se isso não bastasse, a construção de Itaipu não ficou marcada apenas pela morte metafórica de Sete Quedas. Outra morte – esta literal – também marcaria a obra. E, assim como outros escândalos da ditadura militar, foi convenientemente varrido para debaixo do tapete.

Dionísio Bohn, dono de uma empresa de materiais de construção, afirmou que havia sido pressionado a participar de um esquema de corrupção envolvendo políticos e empreiteiras responsáveis pela construção da usina. Bohn chamou a imprensa e apresentou documentos que, em tese, comprovariam o esquema de corrupção. Pouco tempo depois, o empresário foi encontrado morto dentro do seu carro. Causa mortis? Um “suicídio” com monóxido de carbono. Escaldada pelos diversos casos de presos suicidados durante o regime militar, a opinião pública jamais engoliu a versão oficial da morte de Bohn. Obviamente, depois disso o caso não foi investigado e, com o tempo, acabou sendo esquecido.

O “legado” de Itaipu, portanto, é bem controverso. Na época do “Brasil Grande”, o país construiu a maior usina hidrelétrica do planeta. Conseguiu, assim, provar ao mundo que era capaz de construir obras formidáveis utilizando unicamente tecnologia nacional. Mas, olhando para o destino de Sete Quedas e as outras denúncias que a envolveram, a pergunta que fica é:

“Valeu a pena?”

Abaixo, um breve documentário sobre Sete Quedas:

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