Houve um tempo em que sair do Brasil ostentando a cidadania tupiniquim era quase um sinônimo de status no mundo. Não que fôssemos reconhecidos pela elegância dos ingleses, ou pela pontualidade dos suíços, mas era difícil viajar por aí sem que, do outro lado do balcão, um sorriso largo não aparecesse ao você informar de onde vinha.
Muito disso se devia a Pelé, claro, com sua majestade futebolística servindo de cartão de visitas do país no mundo. Isso, porém, não explicava tudo. Para além de nem todo estrangeiro ser ligado em futebol, para as gerações mais novas (aqui e lá fora), falar de Pelé é quase como falar da Roma Antiga; uma era tão passada no tempo que só quem está interessado em livros de História saberá do que se está falando.
Não, absolutamente. Por maior que tenha sido o Rei, havia algo mais a nutrir essa simpatia quase imediata aos brasileiros que viajam pelo mundo. Provavelmente, como o espécime nativo sempre é retratado nos filmes como um sujeito alegre e bem-humorado, o estrangeiro – que não está acostumado ao trato fácil e desembaraçado tão presente ao sul do Equador – sente uma vontade natural de “contagiar-se” dessa alegria de viver. Daí porque procura estabelecer rapidamente uma empatia com seu interlocutor brasileiro, de modo a receber aquela lufada refrescante de vida que por vezes faz falta nos chamados “países do primeiro mundo”.
No entanto, para infelicidade geral da Nação, esse roteiro feliz de filme da Sessão da Tarde deixou de ser verdade. Não que sejamos agora tratados a pontapés, que fique claro. Mas aquela felicidade recíproca que você conseguia sentir ao entrar em contato com um estrangeiro deixou de existir. Ou, pelo menos, deixou de ser tão imediata e natural quanto um dia o foi. Agora, é como se o sujeito de outro país quisesse primeiro te “testar” e te “avaliar”, para só então se permitir um sorriso e uma camaradagem que eles costumam sonegar aos próprios conterrâneos.
O que terá acontecido?
Numa avaliação empírica, sem base científica alguma, arrisco a dizer que devemos esse “favor” aos quatro anos de governo Bolsonaro. Antes, quando você viajava por aí, um brasileiro era só um brasileiro; o sujeito alegre, camarada, de bem com a vida, cheio de amor pra dar. Agora, o estrangeiro olha para um brasileiro e pensa: “Mas quem será esse sujeito? Será ele um ativista anti-vacina? Será ele um combatente militante do ‘globalismo’? Estarei eu diante de um perigoso elemento de extrema-direita? Toda essas perguntas, que nem sequer eram cogitadas há menos de dez anos, passaram a fazer parte do imaginário popular, queimando de forma irremediável o filme nacional mundo afora.
E se engana quem acha que a desgraça pára por aí. Imagina só com que imagem ficaram os brasileiros perante o mundo depois de ver nas manchetes do mundo inteiro o que aconteceu no 8 de janeiro. Como se fosse uma republiqueta de bananas, o planeta inteiro viu bestializado uma tentativa canhestra de golpe militar, com direito a toda a sorte de escatologias que costuma acompanhar o extremismo bolsonarista (destruição de relíquias, despejo de dejetos humanos nas sedes dos três poderes, etc.)
Pra piorar, o cidadão que respondeu pela Presidência até 31 de dezembro do ano passado viu-se metido em um escândalo baixo, de quinta categoria, digno dos periódicos mais toscos da imprensa que transita entre o jornalismo e a comédia desbocada. Por que quem iria acreditar que um Presidente da República pudesse sair por aí vendendo jóias que recebeu na condição de mandatário simplesmente para “fazer caixa”? Com que cara fica o próprio país quando a mais alta autoridade da República é vista mercadejando presentes no mercado negro como se fosse um muambeiro quebrado, precisando de dinheiro para pagar os boletos no final do mês?
Não bastasse tudo pelo que a gente passou nesses quatro anos, ficamos agora com mais essa. O sorriso do outro lado do balcão está agora mais difícil e, em alguns casos, até mais arredio.
Parabéns aos envolvidos.