Por essa ninguém esperava.
Quando todo mundo (ou quase todo mundo) começava a estocar alimentos para lutar contra as baratas após o holocausto nuclear, e mesmo ateus convictos redescobriam sua fé com a iminência do juízo final, eis que da mais improvável conjunção astral de lideranças em todos os tempos surge uma boa notícia: o compromisso pela desnuclearização da Coréia do Norte.
Que o encontro entre o ditador norte-coreano e o presidente norte-coreano foi histórico, ninguém contesta. Afinal, as Coréias se encontram tecnicamente em guerra desde 1950 e os americanos sempre tiveram na Coréia do Sul uma ponta-de-lança para sua influência no Sudoeste Asiático. Mais que isso, os ianques nunca tiveram por hábito visitar líderes de países hostis, cortesia de uma doutrina que prega o bombardeio antes, para perguntar-se depois.
E é exatamente por isso que o encontro entre Kim Jong-Un e Donald Trump deve ser comemorado. Pela primeira vez desde pelo menos 1963, os Estados Unidos puseram seu imenso arsenal bélico de lado e se dispuseram a sentar frente a frente com um “inimigo” antes de começarem as hostilidades abertas no campo de batalha. Os americanos foram capazes de apanhar no Vietnã, bater por duas vezes em Saddam Hussein e ajudar a derrubar Khaddafi sem que a tecla da diplomacia tenha sido acionada. Não havia, portanto, razão para acreditar que com a Coréia do Norte seria diferente, ainda mais com um maluco como Trump na Casa Branca.
Tudo bem, tudo bem, o fato de Little Kim dispor de seus brinquedinhos atômicos ajudou bastante na empreitada. Sob essa ótica, a vitória repousa inequivocamente do lado norte-coreano. Comandada sob mão de ferro por uma ditadura atroz, a Coréia do Norte – um país minúsculo, economicamente irrelevante e sem capacidade sequer de bem alimentar a sua gente – conseguiu sentar na big boy’s table com a nação mais poderosa do planeta, tanto no aspecto econômico quanto no aspecto militar. Kim Jong-Un, em resumo, conseguiu uma façanha que nem seu avô nem seu pai foram capazes em mais de meio século de dominação política.
Todavia, é precipitada a conclusão de que só os norte-coreanos saíram vencedores do encontro. Donald Trump, uma das personagens mais toscas a exercer um ofício presidencial em qualquer lugar do globo, conseguiu arrancar de Kim Jong-Un o compromisso com a “desnuclearização completa, irreversível e verificável” da península coreana.
Ao contrário do que alguns analistas de má vontade pregaram, não é pouca coisa. Por mais que se argumente que os termos do acordo são vagos e datas não tenham sido estabelecidas, o fato é que o objetivo está traçado: a Coréia do Norte não poderá mais possuir armas nucleares. Trata-se de uma meta buscada por presidentes americanos há pelo menos um quarto de século.
Como sempre acontece em acordos dessa natureza, o encontro reunia mais gente do que os sujeitos que apertavam as mãos. O principal sujeito oculto da cúpula, sem dúvida, foi Xi Jiping. A China sempre foi a principal aliada da Coréia do Norte, mas nunca lhe interessou um novo conflito na península coreana, muito menos com armas atômicas, ainda mais lançadas pelos Estados Unidos. É evidente que o processo de apaziguamento de Kim começou com uma gestão diplomática eficiente por parte dos chineses.
Do outro lado, o presidente da Coréia do Sul, Moon Jae-In, e o primeiro-ministro japonês, Shinzo Abe, conseguiram atuar como bons bombeiros, apagando as labaredas que Trump insistia em lançar pelas redes sociais. Não por acaso, mas porque seus respectivos países seriam os primeiros a sentir as consequências de um temível conflito com a Coréia do Norte. A nenhum deles interessava, portanto, a retórica belicista de Donald Trump.
É claro, tudo ainda pode dar errado. Trump pode falar uma besteira qualquer no Twitter e jogar por terra tudo que se fez até o momento. Kim Jong-Un pode mudar de idéia da noite pro dia, pois ninguém ainda entende o que se passa na sua cabeça. Mas o fato é que o mundo é menos inseguro hoje do que era antes do encontro entre os dois presidentes. Em um mundo com tanta coisa dando errado, finalmente há alguma coisa a comemorar.
Celebremos, pois.