O habeas corpus de José Dirceu, ou Supremo x Lava-Jato?

Aconteceu o que se esperava.

Por 3 votos a 2, a Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal mandou soltar o ex-todo-poderoso ministro José Dirceu. Fundamentando-se no excesso de prazo e no fato de que sua condenação em 1º grau ainda pende de confirmação pelo TRF, a maioria dos ministros revogou a prisão preventiva determinada pelo juiz Sérgio Moro.

“E agora?”, pergunta-se a maioria da população. “Vai todo mundo ser solto daqui pra frente? O acordão vai prevalecer? Acabou-se a Lava-Jato?”

Vamos com calma. Com a ressalva de quem não viu os autos e, portanto, não pode dar uma opinião mais abalizada sobre o caso concreto, não há – pelo menos por enquanto – motivo para pânico.

Em primeiro lugar, deve-se destacar que a decisão do Supremo não inocenta José Dirceu. O que se discutia era apenas se a sua prisão preventiva deveria ou não ser mantida. Os três ministros que votaram pela soltura do ex-ministro nada disseram – até porque não teriam como – sobre a culpabilidade do velho líder petista. Eles apenas se limitaram a dizer que, enquanto seu recurso contra a sentença condenatória de Sérgio Moro não for julgado, não se justifica que permaneça provisoriamente na cadeia.

Em segundo lugar, há de se reconhecer que os argumentos utilizados pela corrente vencedora são consistentes. A prisão de Dirceu se prolongara em demasia, seu grupo político não apita mais nada no Planalto Central e a gravidade dos crimes por ele cometidos não implicaria necessariamente a necessidade da custódia cautelar. Logo, mantê-lo preso antes da confirmação da sentença de 1º grau não tinha razão de ser.

Em terceiro lugar, a conduta da Força-Tarefa da Lava-Jato praticamente selou o resultado do HC de José Dirceu. Ao tentar emparedar o Supremo no dia do julgamento do habeas corpus, a Força-Tarefa não deixou ao STF outra alternativa senão mandar soltar o ex-ministro. Uma denegação da ordem deixaria a Corte na incômoda posição de ter seus julgamentos decididos fora dos autos, em coletivas dos Procuradores da República responsáveis pelo caso.

No fundo, o que incomodou grande parte da população na decisão referente a José Dirceu foi menos o caso concreto e mais a possibilidade de que todo o trabalho da Lava-Jato venha a ser colocado em xeque. Ao ver um réu tão emblemático ganhar o meio-fio, é natural que o cidadão comum passe a se perguntar se, no final das contas, mais uma vez os tubarões escaparão da rede da Justiça, restando apenas os bagres para contar a história.

Em princípio, esse risco está afastado. Isso porque, como dito acima, não se discutiu o mérito do caso, mas tão-somente se a prisão preventiva era ou não legal. Logo, ainda que outros réus venham a ser soltos, seus destinos continuarão nas mãos de Sérgio Moro, cujas sentenças têm sido ratificadas em quase todos os casos pelo TRF da 4ª Região. É a hipótese do próprio Dirceu, que deve ter sua apelação julgada rapidamente pelo Tribunal, agora que foi liberto pelo HC do Supremo.

E se o destino final da maioria dos réus já está selado, não há porque temer a desistência de delações premiadas já murmuradas nos bastidores. Ainda que os réus sejam soltos, sua volta à prisão será apenas uma questão de tempo. Com a quantidade de provas que a Lava-Jato já reuniu, será difícil para qualquer deles escapar de uma condenação certa. Desse modo, o estímulo para a delação permanece.

O grande risco, contudo, seria se a liberdade de José Dirceu se tornasse apenas um prenúncio de maior interferência das cortes superiores nos trabalhos da Lava-Jato. Começando pelas prisões preventivas, os tribunais de Brasília poderiam começar a questionar as provas e o mérito das condenações impostas desde Curitiba.

Nessa hipótese, o HC de Dirceu se transformaria em pretexto para a liberação de réus como Antonio Palocci e Eduardo Cunha, homens-bomba capazes de explodir o que resta do sistema político e com ele levar boa parte do mercado financeiro e do empresariado. Libertados em HCs e com a garantia de que, no futuro, as condenações serão anuladas e/ou revertidas pelas cortes superiores, nenhum deles se sentiria tentado a abrir o bico. E aí bau-bau delações.

É evidente que muita água ainda há de rolar por debaixo dessa ponte. Custa-se a crer que ministros vitalícios que vestem uma toga de semelhante envergadura como as do Supremo ou as do STJ venham a comprometer as suas biografias recitando o papel de coveiro da maior e melhor operação jurídico-policial da nossa história. É mais fácil acreditar que Suas Excelências estejam comprometidas com um novo modo de fazer política do que em um eventual acordo de bastidores que salvaguarde as cabeças mais coroadas do ancien régime.

Mesmo assim, convém deixar as barbas de molho. Afinal, como diz o ditado, cautela e canja de galinha nunca fizeram mal a ninguém.

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