O ataque terrorista à Charlie Hebdo

Eu até estava pensando em começar o ano com uma pauta mais light, mas o mundo real insiste em trazer as más notícias para dentro de casa.

Hoje, no meio de Paris, três homens invadiram a sede revista francesa Charlie Hebdo e chacinaram seu diretor, quatro cartunistas e mais três pessoas da redação. Não satisfeitos, atiraram em quem mais aparecia pela frente, incluindo a cruel execução de um policial já ferido deitado no chão. Para se ter uma idéia do que isso representa, basta transportar o exemplo para o Brasil. Imagine três sujeitos armados invadindo a redação do The Piauí Herald para vingar uma brincadeira com uma religião qualquer. Tal é a dimensão da insensatez.

Detalhes da tragédia ainda estão por ser revelados, mas, até onde a vista alcança, o saldo da desgraça pode ser muito maior do que os 12 mortos e 11 feridos contabilizados até o momento.

Em primeiro lugar, mais do que um atentado à liberdade de expressão, o ataque à Charlie Hebdo encerra uma tentativa indisfarçável de censura. “Não haverá tolerância com os infiéis”, é o que dizem, em resumo, as balas disparadas nas ruas de Paris. A cada piada inocente, a cada charge provocativa, haverá uma reação imediata e desproporcional por parte dos fanáticos da fé islâmica. Se necessário – e principalmente – com sangue, como demonstrou o ataque de hoje.

Em segundo lugar, na política interna da França, o atentado debilita a já fragilizada posição do presidente François Hollande. Ele, que ostenta o nada honroso posto de presidente mais detestado da V República, dificilmente conseguirá manter a linha “boa praça” que vinha a duras penas tentando segurar frente ao avanço da direita francesa. Até por questão de sobrevivência política, Hollande tenderá a abraçar medidas mais duras contra a imigração, justamente aquelas que levaram seu rival Sarkozy à derrota na eleição de 2012.

Uma vez que, de acordo com a Lei de Murphy, acontecimentos infelizes ocorrem em série, o atentado não poderia vir em pior hora para a Europa. Enquanto o país patina entra a recuperação econômica lenta e os riscos de cair numa indesejável deflação, a direita xenófoba faz a festa elegendo os bodes expiatórios de sempre: os imigrantes. Na Alemanha, passeatas são organizadas contra a “islamização” do continente, enquanto partidos de orientação neonazista são favoritos para levar a eleição na Grécia. Desse conturbénio boa coisa não pode resultar.

Do ponto de vista governamental, há pouca coisa a fazer. Além de caçar os terroristas responsáveis pela ignomínia, não há para a França um equivalente ao Afeganistão para os Estados Unidos após os atentados às torres gêmeas. Melhor explicando, não há um inimigo imediato representado sob alguma forma institucional como existia para os americanos os talibãs afegãos. Os terroristas não têm base própria e, na melhor das hipóteses, sua localização geográfica encontra-se na incerta área dominada pelo Estado Islâmico no Médio Oriente, local que já vem sendo bombardeado há algum tempo. Uma eventual escalada da violência na região poderia até enfraquecer um pouco mais o EI, mas não solucionaria o problema.

Além de não resolver, bombardear terceiros países traz com conseqüência nefasta a união dos extremistas islâmicos na reação à agressão estrangeira. Ao invés de mitigar-se o problema, alimenta-se um ciclo de ódio de difícil reversão. Mais bombas significam mais ataques terroristas, que significam mais mortes, que significam mais reação, que significam mais horror.

A única solução aparente para esse tipo de caso seria uma reação brutal e feroz da própria comunidade islâmica. Mais até do que a condenação formal dos atentados, os países de confissão muçulmana e mesmo os seguidores pacíficos de Maomé deveriam fazer tudo ao seu alcance para identificar, prender e punir antecipadamente os responsáveis por esse tipo de ato.

Não se trata de uma solução fácil, sem dúvida. Mas, se é no campo da religião que a “disputa” se trava, é somente nele que ele pode ser ganho. Quando ficar estabelecido que malucos que metralham inocentes não irão mais para o céu islâmico, com direito a ouro e quarenta virgens, pode ser que a coisa comece a melhorar.

Até lá, a única coisa a fazer é tentar se consolar na certeza de que o mundo ocidental em geral, e a França em particular, não soçobrarão perante a intolerância religiosa. Desde sempre, e por muito tempo ainda, ambos serão a representação máxima da civilização humana.

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2 respostas para O ataque terrorista à Charlie Hebdo

  1. André disse:

    Não há nada que justifique um ato de barbárie como o acontecido na França. É intolerável, mormente quando invoca motivos religiosos. Entretanto, nunca é de mais repetir que a fé islâmica não é representada por essa minoria insana, segundo afirmam especialistas espalhados pelo mundo inteiro. Bater nessa tecla é sempre bom, assim nos contrapomos ao crescente e indecente sentimento Islamofóbico em evidência no ocidente.
    Não esqueçamos que os maiores atingidos pelos atos de intolerância do terrorismo pelo mundo são os próprios muçulmanos. Interessante que um carro bomba explodindo no Iraque e Afeganistão matando inúmeras pessoas, numa ação desses mesmos grupos terroristas, não provoca no Ocidente igual clima de comoção.
    Senão vejamos, no mesmo dia do atentado da França, que matou doze pessoas, no Iêmen foram mortos 37 muçulmanos num atentado feito pela Al Qaeda.
    Não concordo é que as Charges com Maomé sejam consideradas meras brincadeiras. Já pensou se reproduzir Jesus Cristo nu e de quatro com uma estrela no meio da bunda, seria encarado da mesma forma?
    Um abraço.

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