Muita gente reclama da seletividade das notícias na grande imprensa. Não sem alguma razão. Embora em parte dos casos a escolha do que vai ou não ser publicado decorra de questões circunstanciais, como espaço para notícia e linha editorial do veículo, é certo que há certa predileção pelas notícias ruins, de preferência aquelas que realmente chamem a atenção do público. Afinal, revistas, jornais e TVs só se sustentam quando têm audiência. Do contrário, fecham as portas.
A questão é que esse problema não fica circunscrito à questão midiática. Também no intrincado tabuleiro da política internacional, só se dá atenção a fatos que tenham alguma repercussão. Por “alguma repercussão”, entenda-se, as coisas que digam respeito às grandes potências ou aos seus interesses, diretos ou indiretos. Se não atender a um desses dois requisitos, o assunto é deixado solenemente de lado.
O exemplo mais caro do que se está a dizer é o conflito na República Centro-Africana.
“República da onde?”
República Centro-Africana. Trata-se de um daqueles países criados a régua e esquadro no caótico processo de descolonização da África. Antiga possessão colonial, a República Centro-Africana foi formada a partir do desmembramento da África Equatorial Francesa. Curiosamente, o país parece ter sido o patinho feio nesse desmembramento. Ficou sem acesso ao mar, sem riquezas minerais e sem localização estratégica no mapa africano. Em resumo, ficou sem nada que “justificasse” sua relevância para o mundo.

República Centro-Africana
Mas isso não foi o pior. Como na maioria dos casos das nações inventadas no período pós-colonial, a República Centro-Africana reúne tribos rivais entre si, que divergem na língua, nos costumes e na forma de encarar a coexistência sob uma mesma bandeira. Salvo por um breve período de 10 anos (entre 1993 e 2003), a República Centro-Africana nunca soube o que era viver em paz. Entre ditadores que se autodeclaravam imperadores, golpes militares e conflitos armados, o país sempre esteve em guerra.
O mais recente conflito começou há exatamente um ano. Rebeldes que participaram da guerra civil no país acusam o atual presidente, François Bozizé, de descumprir os acordos de paz firmados em 2007. Com a ajuda de uma coalizão tribal, os rebeldes tomaram algumas das principais cidades na região central do país.
Em socorro de Bozizé, alguns vizinhos, como o Chade, o Gabão e Camarões enviaram tropas para combater os rebeldes. Com a perspectiva de uma guerra civil, assinou-se um armistício no começo de janeiro deste ano. Mas a paz não durou mais do que dez dias. Conflitos voltaram a irromper e, em março, o presidente Bozizé fugiu do país.
Não há contagens seguras sobre o número de mortes, mas todo mundo dá de barato que já passou da casa dos milhares. Isso, contudo, não é o pior. Segundo a FAO, o conflito pôs sob o risco da fome mais de 1 milhão de pessoas. Trata-se de uma tragédia humanitária de proporções bíblicas.
Do Conselho de Segurança da ONU, até agora não se ouviu palavra. Estados Unidos, Inglaterra e França, tão ciosos e prestativos para defender os direitos humanos quando está em jogo alguma ditadura do Oriente Médio, não moveram uma palha sequer para dar cabo ao conflito. China e Rússia, sempre prontos a intervir para defender seus fornecedores de matérias-primas ou seus aliados estratégicos, tampouco se abalaram para reclamar do silêncio internacional.
Se a República Centro-Africana tivesse petróleo, seria formada uma frente internacional em defesa das liberdades fundamentais. Se tivesse bombas nucleares, seria formada uma comissão internacional para negociar o desarmamento em troca de grana. A República Centro-Africana teve o azar de ser somente um território perdido no meio da África.