O fim da concentração no futebol

Nesta semana, saiu a notícia de que o time do Vasco aboliu a concentração para jogos no Rio de Janeiro. Ao contrário do Botafogo, cujos jogadores há meses não se concentram em protesto pelo atraso de salários, a iniciativa partiu da própria Diretoria do time da Cruz de Malta.

Não que a iniciativa seja nova. No começo dos anos 80, o quarteto formado por Sócrates, Casagrande, Wladimir e Zenon já adotara a mesma providência na chamada “Democracia Corinthiana”. Mas, se esta soçobrou rapidamente ante a força do “futebol moderno”, gerido por cartolas metidos a executivos, a abolição patrocinada agora pelo Vasco tem tudo para se revelar mais duradoura.

Pra quem não conhece muito bem os bastidores do futebol, a “concentração” não passa de um eufemismo para “privação de liberdade promovida pelo empregador”. Partindo do pressuposto de que todos os jogadores são “meninu-réi-amarelu-do-buchão” – para usar uma expressão cara aos cearenses -,  os dirigentes obrigam todos os jogadores a se apresentarem no dia anterior aos jogos para ficarem confinados na sede do clube ou em um hotel. Às vésperas de jogos mais importantes ou em momentos de crise, é possível que o período de confinamento retroceda a até três dias antes da partida. O objetivo desse sistema é um só: “evitar” que os jogadores, moleques que são, caiam na gandaia no dia anterior aos jogos e, assim, tenham seu rendimento em campo prejudicado.

Desde sempre, a concentração representa um sistema distorcido no dia-a-dia dos jogadores de futebol. Como eles ficam trancafiados em regime semiaberto, a ausência de cometimento de transgressões não se deve ao desenvolvimento da autodisciplina, mas à simples impossibilidade física de cometê-las. Antes de ajudar a incutir nos profissionais do futebol o senso de responsabilidade, essa sistemática termina por resultar no exato oposto: a infantilização dos jogadores, que passam a ser tratados como crianças, incapazes de governarem a si próprios.

Pode parecer trivial, mas por trás disso estão vários dos “escândalos” futebolísticos noticiados com certa frequência nos jornais. Ou alguém acha que as manchetes de jogadores metidos em confusões nos bares da vida, associados a traficantes de morro ou flagrados com travestis no meio da madrugada são obra do caso? Como crianças sem rédeas, toda vez que os jogadores de futebol se vêem sozinhos, longe dos “olhares paternos” da concentração, a tendência é enfiar a pé na jaca. Exatamente como uma criança mimada faria.

A partir de agora, no Vasco os jogadores deixarão de se apresentar um dia antes do jogo para confinamento. Eles somente se apresentarão ao meio dia do dia do jogo. Apenas nos jogos realizados fora do Rio de Janeiro, a concentração será adotada. Mas isso, claro, pelo simples fato de que os jogadores não têm residência fora da Cidade Maravilhosa, e não devido a qualquer intuito “super-protetor” dos dirigentes.

Adotada em tom experimental, a iniciativa do Vasco está condicionada aos resultados do time em campo e, claro, à ausência de transgressões. Depois de ser o primeiro a aceitar jogadores negros e ajudar na profissionalização do esporte bretão, esse pode ser mais um troféu na longa lista de bons serviços prestados pelo Vasco ao futebol brasileiro.

Viva o Vasco.

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