O problema do paralelismo

Faz tempo que a nossa velha e boa língua lusitana não dá as caras por aqui. Para reparar a ausência, vamos elevar o nível e analisar um problema que sai do trivial: a questão do paralelismo.

Antes que você dê um pulo para trás, não, não estou falando de matemática. Paralelismo é antes um fenômeno linguístico, uma característica da comunicação que deve ser observada por quem deseja seguir as boas regras do padrão culto da linguagem.

As regras do paralelismo estabelecem relações de congruência entre palavras e expressões de ordem morfológica (quando pertencem à mesma classe gramatical), sintática (quando há semelhança entre frases ou orações) e semântica (quando há correspondência de sentido entre os termos). Em outras palavras, é o paralelismo que lhe garante escrever um texto no qual não só as palavras ou as frases estejam corretamente escritas, mas no qual o conteúdo em si forme um todo coerente.

Os exemplos são vários. Veja a seguinte frase:

“Pedi demissão devido às intrigas, às fofocas, à inveja e aos agressores que me queriam ver pelas costas”.

Onde está o erro?

O erro está na ruptura da ordem morfológica, que ocorre quando a sequência de substantivos – intrigas, fofocas, inveja – é subitamente interrompida pelo aparecimento de um adjetivo – agressores. Para que fosse respeitado o paralelismo morfológico, o vocábulo a ser utilizado na frase deveria ter sido “agressões”, e não “agressores”.

Outro erro comum está na falta de correlação entre verbos utilizados numa mesma frase. E, curiosamente, esse é um dos mais correntes na linguagem cotidiana. Veja o seguinte exemplo:

“Se eles viessem, a festa irá bombar”.

Qual o problema?

Estando o primeiro verbo no pretérito imperfeito do subjuntivo, o segundo necessariamente deve ir para o futuro do pretérito do indicativo. Nesse caso, atendendo ao paralelismo a verbal, a frase escrita corretamente ficaria assim:

“Se eles viessem, a festa iria bombar”.

A quebra do paralelismo sintático, por sua vez, talvez seja a mais difícil de identificar. Observe a seguinte frase:

“Não se trata de defender mais intervenção do Estado na economia ou que o Estado volte a produzir aço…”

Poucas pessoas verão um erro nela. A questão, no caso, reside na inobservância de estrutura gramatical similar para dois elementos coordenados numa mesma frase. A rigor, o correto seria escrever: “Não se trata de defender mais intervenção do Estado na economia ou a volta do Estado a produzir aço…”; ou ainda: “Não se trata de defender que o Estado intervenha na economia que volte a produzir aço…”.

Outro caso corriqueiro de quebra do paralelismo ocorre quando o texto incorpora diferentes pessoas na sua narrativa. Curiosamente, é provavelmente o erro mais presente em artigo científicos. No começo do artigo, o autor escreve algo como “observou-se elementos anormais no experimento”, para no meio afirmar que “acreditamos que tais elementos possam ser desconsiderados na análise” e, finalmente, dizer: “concluo que tudo continua na mesma”. Ou seja: em um mesmo artigo, o narrador passa da terceira pessoa do singular para a primeira pessoa do plural, para terminar na primeira do singular. Antes de chegar ao fim, o leitor já se esqueceu de quem está narrando.

Eu sei, eu sei, muitos textos escritos neste espaço não obedecem a essas regras. No entanto, isto é só um blog, sem qualquer pretensão de ser um espaço para exercício da erudição, muito menos atender a critérios estritos da norma culta da língua de Camões. Mas, se você não quiser fazer feio ao escrever uma carta forma ou um artigo científico, convém observar o paralelismo. É ele que garantirá que seu texto não sairá da reta.

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Uma resposta para O problema do paralelismo

  1. thalles manoel lins do nascimento disse:

    “Não se trata de defender mais intervenção do Estado na economia ou a volta do Estado a produzir aço…” a pessoa que fez a correção erro por não utilizar o pronome “DELE” para substituir o termo “ESTADO” mencionado anteriormente.

    Acho que essa frase está gramaticalmente incorreta. o correto seria escrever : “Não se trata de defender mais intervenção do Estado na economia ou a volta DELE a produzir aço

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