Juninho Pernambucano, o homem

Para quem está acostumado a ver a seleção capengando contra seleções como a Bósnia ou o Gabão e em que os “craques” dos times não raro tornam o noticiário esportivo uma sublegenda da seção policial, saber que existe jogando no país um jogador como Juninho Pernambucano é uma lufada da esperança.

No Brasil, a capacidade da cartolagem e do marketing esportivo em criar artificialismos é tão grande que certas vezes a constatação do real adquire feições mágicas. Houve um tempo em que se acreditava ser possível jogar futebol sem negros. Foi quando o time do Vasco acabou com essa imbecilidade, construindo um time de mulatos incapaz de ser parado pelos outros times cariocas.

Ironicamente, é novamente no Vasco em se que descobre que, dentre os jogadores de futebol, ainda é possível haver honra e dignidade. Tudo isso numa época em que o modelo de futebol dominante diz que jogar bola até ajuda, mas é menos importante do que participar de um desfile de moda ou de um comercial de TV (com tênis da Nike, de preferência).

Juninho iniciou sua carreira no Recife, jogando no Sport. No ano seguinte, foi contratado pelo Vasco. Depois de uma temporada ruim em 1996, foi peça fundamental na conquista do Brasileiro de 1997 e da Libertadores de 1998. Na final do mundial daquele ano, não custa lembrar que foi dele o gol de empate contra o Real Madrid (um golaço).

Depois de ganhar seu segundo título nacional no ano 2000 com o Vasco, Juninho decidiu que era tempo de dar um basta a um time (des)mandado por Eurico Miranda. Entrou na justiça, conseguiu o passe livre e foi para a França. Ao sair, repetiu uma promessa de 11 em cada 10 jogadores que vão para o exterior e adicionou-lhe outra, arriscada: “Só voltarei ao Brasil para jogar no Vasco e, ao Vasco, só voltarei quando Eurico Miranda sair”.

À primeira vista, parecia maluquice. Sair de um time que ganhara dois títulos nacionais, um da Libertadores, além do Rio-São Paulo de 1999 e da Mercosul de 2000 para chegar no Lyon, um time de quinta categoria que jamais conquistara coisa alguma. Fora isso, dizer naquela época que só voltaria ao Vasco quando Eurico saísse significava praticamente dar adeus ao Brasil. Para todo o mundo esportivo, Eurico só sairia do Vasco se fosse para ir a um único lugar: a cova.

Mas Juninho sabia o que estava fazendo. O Olympique Lyonnais, um pária do futebol francês, chegaria ao vice-campeonato no ano seguinte (2001). A partir de 2002, não teve pra ninguém. Foram sete títulos consecutivos (2002-2008). Todos com Juninho no time. Juninho conseguiu ainda levar o time várias vezes à fase de mata-mata da Champions League, alcançando até mesmo a semifinal uma vez, fazendo frente a potências européias como Bayern, Manchester e Barcelona.

Curiosamente, ao sucesso no clube não correspondeu o reconhecimento na seleção brasileira. Juninho sempre era esquecido e, mesmo quando convocado, ficava na reserva. Felipão esqueceu-o em 2002 e Parreira teve a cara de pau de deixá-lo no banco em 2006. Depois do fiasco, contrastando com as declarações pasteurizadas dos demais jogadores, disse algo assim: “Foi um fracasso. Agora é apostar nos que ainda vão ficar e nas novas caras que vêm por aí”. Ao que o repórter perguntou: “E você, Juninho, se enquadra em qual grupo?”. Sem pestanejar, ele disparou: “Nos que vão sair. E, infelizmente, vão sair marcados com essa mancha”.

Em 2009, para espanto geral, Eurico finalmente perderia uma eleição no Vasco. Já cansado da rotina de um time no qual ganhara tudo que havia a ganhar, Juninho decidiu voltar ao Vasco. Não só cumprira a promessa (coisa que quase nenhum jogador fez), como deixou atônito a todos ao acertar seu salário com o time carioca: um salário mínimo. Isso mesmo. Um mísero salário mínimo, para um dos maiores meios de campo da atualidade.

Como ele mesmo fez questão de explicar, ele saíra do time como ídolo. Já com 36 anos, sabia que seu rendimento não seria o mesmo. Não queria, portanto, tornar-se um estorvo para o time, recebendo o maior salário do elenco sem, eventualmente, poder corresponder em campo. Se tivesse que sair de novo, queria sair pela porta da frente, não como um ex-jogador em atividade que se aproveitou da paixão da torcida para enriquecer os bolsos.

Quando Ronaldinho saiu do Flamengo, todo mundo ficou espantado com sua rápida contratação pelo Atlético-MG. O que pouca gente sabia é que, como revelou Bruno Voloch, Ronaldinho não era a primeira opção do time mineiro. Era Juninho. Mesmo com os salários atrasados, Juninho repetiu o que já dissera mas pouca gente entendera: no Brasil, só jogaria pelo Vasco ou pelo Sport. E por mais nenhum time.

Torcer por Juninho Pernambucano tornou-se uma das poucas coisas que se pode fazer no futebol sem correr o risco de passar recibo de idiota, admitindo que passaram tal recibo aqueles que acreditaram que um ataque formado por Ronaldo e Adriano poderia levar o Brasil ao hexa em 2006, ou os que acreditaram quando Ronaldinho Gaúcho beijou a camisa na sua chegada ao Flamengo.

Juninho pode não ter sido o maior craque da história da seleção. Mas, em termos de hombridade, muita água haverá de passar até surgir outro igual. Feliz do time que o tem no elenco.

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