Se tem uma coisa para a qual eu espero que sirva esse escândalo Demóstenes-Cachoeira é para enterrar de vez essa história de legalização de jogo no Brasil.
Como uma onda que vai e vem, volta e meia aparece no noticiário alguém defendendo a liberação da jogatina. Quando ressurge a moda, a ladainha é sempre a mesma: tem que se pensar nos empregos e impostos que a atividade vai gerar; que proibir o jogo é uma hipocrisia, num país em que qualquer menino pode ir na esquina e apostar na Zebra ou no Macaco; que o jogo incrementaria o turismo, etc., etc., etc.
O primeiro argumento é o mais furado. Se for pra pensar em impostos e empregos, pode-se defender no limite até a legalização do tráfico de drogas, que movimenta mais gente e mais dinheiro. A questão não é o benefício financeiro que rende, mas o custo social que tem.
O jogo é uma das maiores desgraças da humanidade. Vende a ilusão da riqueza instantânea e escraviza uma legião de mentes frágeis ao argumento do dinheiro. O que não se fala é que, de ricos, não se conhece uma só alma que tenha ficado jogando. Dinheiro mesmo só faz quem está do outro lado do balcão, ganhando com o vício alheio.
Fora isso, toda jogatina envolve uma série de “acessórios” que acompanham o principal. Ao lado de cassinos forma-se sempre uma rede destinada a aplacar a sede por outros dois vícios bastante comuns: prostitutas e drogas. Não há uma única cidade no mundo em que o jogo não seja liberado e, por trás, esteja associada uma rede de venda de prazeres femininos e entorpecentes unissex.
Do ponto de vista social, nem preciso dizer que uma coisa não compensa a outra. E, na ponta do lápis, é bem possível que o governo passe a gastar mais com saúde e previdência de famílias desestruturadas pelo jogo do que venha a ganhar com os impostos pagos pelos exploradores da jogatina.
Que é uma hipocrisia social, ninguém discute. O jogo do bicho está aí e todo mundo vê. Mas o problema não está na proibição, mas na falta de compromisso público com o combate à violação da lei. Se os bicheiros continuam dando as cartas por aí, o problema não está na lei que os proíbe de organizar o jogo, mas na falta de cojones de autoridades indispostas a pagar em popularidade o preço do combate à jogatina.
Quanto à questão turística, os defensores da legalização do jogo costumam sempre invocar o exemplo de Las Vegas. Esquecem-se, contudo, que do outro lado dos Estados Unidos está Atlantic City, o exemplo mais bem acabado de como o jogo é capaz de destruir toda a saudável teia social que se estrutura em torno de uma cidade. A decadência da “Las Vegas” da Costa Leste americana é bem mais palpável do que o sucesso de sua inspiração. Las Vegas, na verdade, não é um exemplo do que o jogo pode fazer por uma cidade, mas uma exceção que confirma a regra do quanto a atividade é deletéria.
Depois de tantos escândalos envolvendo políticos e bicheiros, seria o caso de se pensar se não é hora de simplesmente acabar com essa história de legalização do jogo e passar a combatê-lo como manda o figurino. Eis aí uma boa briga para comprar.