Hoje anunciaram a morte de Muammar Kaddhafi. Sempre que aparece uma notícia dessas, fica-se na dúvida: morreu mesmo? Ou é só boato?
Se há algo a consolar é que a dúvida dissipa-se logo. Em um ou dois dias se saberá se o ditador carniceiro da Líbia bateu as botas mesmo.
Mas não quero tratar exatamente disso. Quero falar sobre a sede de vingança que normalmente nutre revoluções. Sede que invariavelmente é saciada – saciada?!? – com sangue dos opressores.
Em outro post, falei da igualação da civilização à barbárie no caso da morte de Osama bin Laden. Aqui, o raciocínio é mais ou menos o mesmo. Luta-se contra a opressão de um regime tirano com a promessa de um admirável país novo assim que a revolução sagrar-se vencedora. Tão logo o ditador é deposto, os revolucionários costumam lavar com sangue os crimes cometidos pelos governantes destronados enquanto estiveram no poder. Foi assim na Revolução Francesa, foi assim na revolução líbia, será assim em tantas mais revoluções que vierem por aí.
O argumento dos revolucionários é simples e direto: para apagar as manchas do regime que se foi, a única solução é a morte dos tiranos. Nada menos que isso satisfaria as massas revoltosas. É também um argumento primitivo. É o mesmo argumento a justificar a pena de morte em países como os Estados Unidos. Com uma diferença: nesses países, o sujeito vai à forca depois de passar por um processo legal, com direito a defesa e a um julgamento justo. Nas revoluções, a honra do povo sofrido é lavada ali mesmo, manu propria, sem direito a nada.
Não que você possa esperar lucidez de uma multidão ensandecida. Absolutamente. Mas, em regra, nenhuma dos tiranicídios ocorre no calor do momento ou durante lutas. Foi assim com Luís XIV, provavelmente foi assim também com Muammar Kaddhafi. Fora do fragor da hora, sempre há, por definição, a possibilidade de algum dos líderes do movimento insurgir-se contra a barbárie e defender a civilização. Não o fazem, primeiro, porque querem mais que o sujeito morra, mesmo. Em segundo lugar, porque receiam confrontar a massa. Em ambos os casos, ganha o instinto primitivo e perde a humanidade.
Tiranos não devem ser mortos. Tem de ser presos, levados a julgamento e amargar o resto da vida na cadeia. Enquanto viverem, servirão de exemplo para lembrar à nação os males que fizeram. A superiodade moral de submetê-los a julgamento justo que possivelmente foi negado a todos os seus opositores é a melhor vacina para mostrar que o novo governo não repetirá os mesmos erros. Não há “vingança” melhor do que ser “benevolente” com quem foi tirano.
Fora isso, num julgamento podem ser explicados detalhes de todas as atrocidades cometidas e, com isso, alcançar boa parte do staff que, quando vê o barco afundando, pula fora como ratos.
Veja-se o caso da Alemanha nacional-socialista, por exemplo. Alguém em sã consciência acredita que duas dúzias de pessoas comandadas por Hitler foram as únicas responsáveis pelas atrocidades nazistas? Responsabilizar um único homem, ou, quando muito, ele e seu staff mais próximo, significa quase sempre esquecer de perseguir e punir os que, com muito gosto, cumpriam as ordens que deles advinham.
Falar tudo isso agora parece inútil. E é mesmo. Kaddhafi está morto.
Mas, quando se olha ao redor e se vê que, no Egito, Mubarak, atado a uma cama, responde a processo pelos 30 anos de martírio de sua população, não se pode negar que surge uma pontinha de esperança na humanidade.
Concordo em gênero, número e grau! Nada mais a declarar. bjos