A profissionalização da esculhambação

Muita gente que viaja ao exterior fica se perguntando: “Será que um dia o Brasil alcançará o nível de primeiro mundo?”

Por “nível de primeiro mundo” entenda-se: não ser somente um país rico, mas principalmente civilizado – poder andar na rua tranqüilamente, ter níveis de roubos, assassinatos e violência em geral aceitáveis, etc.

Depois de muito andar, cheguei a uma triste conclusão: não, não chegaremos tão cedo nesse nível.

Seja o Brasil a oitava ou até mesmo a primeira economia do mundo, há algo aqui que nos impede de atingir o mesmo nível de civilidade que existe, por exemplo, em países europeus. É a profissionalização da esculhambação. “Como assim?” Explico:

Certa vez, indo a um show em Copenhagen, deparei-me com um estacionamento de bicicletas. Assim como os holandeses, os dinamarqueses adoram andar em suas bicicletas. Tudo bem que o fato de ambas as capitais serem planas ajuda um bocado, mas não há como negar uma certa dose de consciência quando o sujeito opta por se locomover com as próprias pernas em vez de andar de carro. Mas esse não é o ponto.

O ponto é que, em frente ao parque onde teria lugar o show, havia uma praça, que acabou por servir de estacionamento de bicicletas. Ao andar por elas, notei um detalhe interessante: nenhuma delas tinha cadeado. Se alguém quisesse levar qualquer uma delas, era só ter disposição: não havia nada a impedir, nenhum obstáculo a transpor.

Aí você ficar a se perguntar: “Ué? Mas por que eles não precisam trancar suas bicicletas e nós precisamos?”

Resposta simples: porque lá não tem mercado negro. Um sujeito que furta um bicicleta não poderá fazer muito além de andar nela; vendê-la é impossível. Não existe um mercado negro de bicicletas furtadas. Nem de qualquer outro item.

Muita gente não percebe, mas o principal estímulo ao furto e ao roubo é puramente econômico: furtar e roubar mercadorias para transformá-las em dinheiro. Fora os casos patológicos, a rede de assaltos deve ser entendida simplesmente como uma atividade econômica. O sujeito não faz por – por preguiça, incapacidade ou simplesmente conviência – outra coisa da vida. Furta e rouba como meio de subsitência. Quanto mais essa for rentável, mais ela se desenvolve, e mais gente é atraída por ela.

O problema, portanto, não se resume aos assaltantes, mas é relacionado principalmente à intricada rede que leva um produto furtado a ser vendido numa feira qualquer a um sujeito da classe média. O cidadão pensa que está “levando vantagem” comprando um produto mais barato do que na loja. O que ele não percebe é que, ao comprar esse produto, ele está alimentando a mesma rede que o leva a ficar trancado em casa e a blindar seu carro.

A esculhambação, no Brasil, é um grande negócio.

Se alguém quiser estudar a sério a real as causas da violência do país, deve começar pela Feiras da Parangaba e de Acari. Vai descobrir muito mais do que imagina.

Esta entrada foi publicada em Política nacional. Adicione o link permanente aos seus favoritos.

5 Responses to A profissionalização da esculhambação

  1. Avatar de Rômulo César Júnior Rômulo César Júnior disse:

    já ia postar a reportagem abaixo sugerindo justamente um texto sobre o assunto: http://diariodonordeste.globo.com/materia.asp?codigo=982162

  2. Avatar de César Mourão César Mourão disse:

    Será apenas esculhambação mesmo ou vai mais longe: a certeza ou a expectativa da impunidade e mania, que a muitos é muito cara, de ser esperto O mais grave, e você e levantou a bola com maestria, é que quase todos os receptadores são conhecidos pela polícia. A mídia, que gosta tanto de campanhas bombásticas , ajudaria muito se encampasse a causa de denunciar sem trégua os receptadores; a rede do crime ficaria muito prejudicada.
    Mesmo de longe e com muitas outras preocupações ( eu acho), você continua inspirado.

  3. Avatar de Rômulo César Júnior Rômulo César Júnior disse:

    aconselho a leitura do livro “1808”, de Laurentino Gomes, capitulo 21 intitulado “os viajantes”. o que parece o Brasil não mudou muito em 200 anos. pelo menos alguns aspectos psicologicos permanecem arraigados. acredito que nem seja mais uma questão cultural, mas sim genetica.

  4. Pingback: A profissionalização da esculhambação – Parte II | Dando a cara a tapa

Deixe um comentário

Este site utiliza o Akismet para reduzir spam. Saiba como seus dados em comentários são processados.