A morte de bin Laden e o precedente de Noriega

Em certos casos, a podridão do cadáver acaba por mascarar a sordidez do assassino. Tal é o que acontece no caso da morte de Osama bin Laden.

Tudo bem, o cara era um fascínora, terrorista, sacana e o escambau. Mas pare pra pensar um pouco. Imagine a seguinte situação:

Os EUA querem acabar com o tráfico de drogas na Califórnia. O maior fornecedor da região é o Fernandinho Beira-mar. Escondido numa favela brasileira, Beira-mar reina a salvo das intempéries americanas. Na calada da noite, um porta-aviões desembarca na Baía da Guanabara, três helicópteros partem com 40 soldados, invadem o cafofo, matam Beira-mar, e levam o corpo embora.

É imaginação demais? E se eu dissesse que eles já fizeram isso?

O ano era 1989. O Panamá é desde sempre área estratégica para os americanos. Por isso apoiaram (leia-se: forçaram) sua independência da Colômbia. Desde 1983, o rei do pedaço era um sujeito baixinho e metido a esperto chamado Manuel Noriega.

Com o apoio da CIA, participou do golpe que depôs o presidente Arnulfo Arias. Dentro do governo e com suporte americano, ascendeu meteoriamente ao posto de general e, de lá, transformou o Panamá no mais bem acabado exemplo de uma República de Bananas.

Até as pedras do Canal sabiam que era metido com o tráfico de drogas. Naquele estreito pedaço de terra que liga o Atlântico ao Pacífico, lavava e permitia a lavagem de todo tipo de grana. Os americanos sempre toleraram isso. Mas, quando vazou a notícia de que Noriega tinha sido membro da CIA, a coisa mudou de figura. Subitamente, Noriega passou de amigo a inimigo.

Para aumentar o embaraço norte-americano, Noriega ameaçava contar detalhes dos bastidores de sua atuação na CIA, caso sentisse cheiro de queimado vindo do norte.

Arquitetada ainda no governo Reagan, a invasão ao Panamá para prender Noriega resultou na morte de mais de 3.000 civis, a maioria inocentes. O chefe de estado de um país soberano foi literalmente seqüestrado para ser “julgado” em um país estrangeiro, sem ter cometido qualquer crime nos EUA ou contra qualquer americano.

Com bin Laden, é claro, a conta era mais alta. Prender para julgar não estava nos planos. A ordem era direta: atirem primeiro, levem o corpo depois.

Em ambos os casos, todo mundo assistiu meio que inerte ao noticiário. Afinal, era o mundo se livrando de dois conhecidos canalhas.

Mas fica no ar a pergunta: o que o Brasil faria se fosse em seu território?

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