A Copa no Brasil

Certa vez recebi aqui em casa minha amiga KG e seu digníssimo, Alex de Netherlands. Papo vai, papo vem, KG começa a falar que estava a iniciar um curso de economia doméstica, e que muito tinha aprendido nele. Como eu perguntasse o que havia no curso além dos óbvios “Eu preciso comprar isso?” e “Eu posso comprar isso?”, KG respondeu que havia um terceiro ensinamento básico.

“Qual é?”, perguntei.

“Tem que ser agora?”, respondeu ela, caindo no riso.

Desde 1950 pensava-se em reeditar a Copa no Brasil. É claro, por que não? O Brasil é multicampeão da Copa. Único país a participar de todas as suas edições. Se não bastasse, o brasileiro é simplesmente fanático pelo esporte.

Já no ano 2000 a candidatura brasileira para sediar mais uma vez a Copa do Mundo se insinuava. Quando a Fifa decidiu acabar com o primazia de América, Europa e Ásia e realizar a Copa de 2010 na África do Sul, tudo já se desenhava para o Brasil sediar a próxima edição. Pra forjar uma competição, a Colômbia entrou no páreo. Subitamente, alegando que não teria condições de sediar o evento (entrou por quê, mesmo?), abandonou a competição. Portanto, desde 2007, como candidato único, o Brasil já sabia que sediaria a Copa do Mundo de 2014.

Festa, celebrações, champanhes estourando, tudo muito bom, tudo muito bem. Pouca gente, no entanto, teve a perspicácia de fazer as três perguntinhas básicas da economia doméstica.

“O Brasil precisa fazer a Copa do Mundo?”

Não. Fazer Copa pra quê? Vai desenvolver o esporte? O futebol já é o esporte preferido de 9 em cada dez brasileiros. Mesmo as brasileiras que não torcem concordam em acompanhar os jogos, resignadamente, ao lado de seus consortes, que adoram sentar de frente pra telinha com um copo de cerveja na mão e um monte de palavrões na cabeça.

“Ah, mas a estrutura que se vai montar pra Copa ficará de herança pro país”.

E precisa de uma Copa pros governos federal, estadual e municipal fazerem obras? Seria possível fazer todas as obras – necessárias – de ampliação de aeroportos e de mobilidade urbana sem ter a Copa como pretexto. Além disso, ainda sobraria algum do dinheiro que não se gastaria construindo estádios.

“Ah, mas tem os turistas que virão pra Copa. Você tem que pensar no retorno financeiro do dinheiro que esses turistas vão trazer”.

Ok. Concordaria com esse argumento se a Copa durasse 5 anos. Mas não. Dura 1 mísero mês. Vamos gastar bilhões e bilhões de reais para turbinar por 30 diazinhos seguidos a renda com turismo? Por que não investir esse dinheiro em segurança pública? Por que não investir em infraestrutura de transporte (ex: duplicação de estradas e melhoria do transporte público)? E por que não capacitar os trabalhadores do setor a falar uma outra língua? (E ainda vêm falar que os franceses só falam francês, como se aqui o povo falasse outra coisa que não fosse o “brasileiro”, quando muito o portunhol).

1×0.

“O Brasil pode fazer (pagar) a Copa?”

Responda “sim” aquele que viver em uma cidade em que a saúde pública funciona como na Dinamarca, recebe uma educação pública inglesa, anda na rua como se estivesse em Helsinque e tem à disposição um metrô igual ao de Paris. Do contrário, fique no “não”, mesmo.

No começo, pra vender a idéia, é sempre o mesmo blá-blá-blá: “Não se colocará dinheiro público. Todos os investimentos nos estádios serão privados”. Conversa pra boi dormir. Seria perda de tempo citar aqui, uma a uma, as manchetes diárias a comprovar o contrário.

Todo mundo sabe de onde vai sair o dinheiro. Quando o Estado não investe diretamente, “financia” o investidor privado. Um negócio da China, pois o sujeito ganha dinheiro para construir uma obra (o que já daria lucro), o dinheiro é subsidiado (mais lucro ainda) e, depois, ainda tem o direito de explorar comercialmente o que construiu (termina de ficar rico).

2×0.

A última pergunta, que não me ocorrera na conversa com KG, é talvez a mais significativa: “O Brasil tinha que fazer a Copa agora?”

Tudo bem. Depois do Governo Lula, o brasileiro recuperou sua auto-estima, o país cresceu e deixou pra trás o flagelo que foi o Governo Fernando Henrique. Mas daí a achar que nos tornamos um país rico vai uma enooorme distância. Há milhares de outras prioridades a tratar, maiores e mais urgentes, antes de pensarmos em fazer um evento da magnitude de uma Copa do Mundo. Há um país inteiro pra construir. Perdemos feio até dos nossos vizinhos sul-americanos. Só pra lembrar, o salário-mínimo brasileiro, mesmo com os aumentos constantes dos últimos anos, é um terço do paraguaio.

Na Copa de 2006, grande parte da população alemã questionava os gastos do governo com o evento. Achavam que o país tinha de investir mais em saúde, educação e transporte. E olha que estávamos falando da Alemanha, à época a terceira maior economia do mundo, com um PIB per capita de US$ 40.000,00, quase dez vezes mais do que a renda média anual do brasileiro. Se os alemães questionavam a razão de ser do evento, por que nós teríamos que comemorar?

3×0. Fim de jogo.

Mesmo ganhando nos argumentos, perdemos na realidade. A Copa é um fato. O que podemos tentar é fazer com que o prejuízo seja menor do que o esperado. Até lá, grandes emoções nos esperam.

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