Muita gente tem falado bem dos primeiros 100 dias do Governo Dilma.
Eu pessoalmente tenho minhas reservas. Mas se há uma área em que Dilma está atuando como uma mestre é na política externa.
Primeiramente, enjaulou os comunas tapados que adoravam recitar a velha peça em que cabia aos Estados Unidos o papel de grande satã. Chamou Obama pra cá, aproximou-se dos americanos e mandou às favas qualquer resquício de complexo de terceiro-mundista-revolucionário-pequeno-burguês que pudesse haver no governo. “É lá onde está o dinheiro? É lá onde está o maior mercado consumidor do mundo? Então é com eles que eu quero me acertar”, sentenciou Dilma.
Depois, fez uma correção de rota necessária na relação com o Irã. Mandou votar a favor da abertura de um painel para investigar as violações aos direitos humanos ocorridos no país persa. De uma só tacada, distanciou-se de um regime que apedreja mulheres infiéis aos seus maridos, reafirmou o compromisso com os direitos humanos e ainda fez um agrado aos americanos, doidos que são para derrubar o regime islâmico.
Agora, Dilma tenta reaprumar as relações do Brasil com a China. Já não era sem tempo. Mas esse será o maior desafio da política externa de seu governo.
Não há viv´alma que duvide que a China será a potência hegemônica do planeta antes da metade deste século. Pelo lado contrário, há muitos a defender que, graças a isso, conseguiremos sentir falta do tempo em que os americanos mandavam no mundo.
Brasil e China não são países amigos. Na verdade, não há amizade entre as nações; apenas interesses. Se estes forem comuns, ótimo; segue-se em frente. Se não são, bem…aí é que são elas.
A relação ora estabelecida data já de algum tempo. O Brasil tem commodities em abundância (ferro, soja, carne, etc.), e a China precisa dessas commodities para sustentar seu crescimento e alimentar sua população. É uma relação que, em tese, seria boa para os dois lados.
Mas o Brasil não pode se contentar só em ser exportador de commodities. É necessário agregar valor às exportações. Produzir equipamentos tecnologicamente sofisticados tem três vantagens imediatas: primeiro, desenvolve a pesquisa científica; segundo, impulsiona a indústria; terceiro, torna-nos menos dependentes do mercado externo. Fora isso, há ainda outra vantagem, mediata, mas igualmente relevante: torna nossa dependência de dólares para fechar as contas externas menos suscetível aos humores do mercado, que joga os preços das commodities pra cima e pra baixo como um operador de montanha-russa.
Dilma sabe disso. E sabe que, para os chineses, não interessa nada mudar uma relação que só traz vantagens para eles. Precavida, deve ter lembrado de Theodore Roosevelt (tio do Franklyn), ex-presidente dos EUA. Ensinava o Teddy Bear que, em negociações internacionais, você deveria sempre “falar suavemente e carregar um porrete” (Speak softly and carry a big stick). Que porrete Dilma carrega?
Provavelmente, medidas de controle das exportações à China. Aumento dos royalties do minério de ferro e taxação da exportação de soja in natura, só pra começar. Isso para não falar do porrete nas exportações que vem de lá: aplicação de regras anti-dumping, aumento do imposto de importação e imposição de barreiras sanitárias.
A mensagem é clara: “Querem continuar comprando da gente? Pois podem vir tratando de investir aqui. Do contrário, vão ficar a ver navios”.
Dilma sabe que não há alternativa imediata para as commodities que a China importa do Brasil. O minério de ferro de Carajás é indispensável para as siderúrgicas chinesas, pois é melhor e é misturado ao importado de outros países, como a Austrália; a soja é a base da cadeia alimentar chinesa, e o Brasil passou os EUA como maior produtor do mundo faz tempo. Sem aço e sem comida, a locomotiva chinesa arrisca-se a parar.
Num caso normal, colocados contra a parede, os chineses costumariam se fechar em copas e retaliar. Agora, ao contrário, prometeram mudanças nas relações comerciais e investimentos no país.
Como isso se desenrolará com o tempo, ninguém sabe. Mas é um bálsamo saber que há gente no governo que consegue enxergar além do palmo resplandecente à frente do nariz.