Faz tempo que não rola nada na seção mais aleatória deste espaço (Variedades). Para reparar essa omissão, vamos falar de um assunto que começou tímido, virou febre e agora já tomou as ruas de todo o país: a revolução dos carros elétricos.
Houve uma época – e olha que nem faz tanto tempo assim – em que todo jovem aficcionado por carros desejava veículos europeus ou americanos. A preferência era unicamente pela marca, a depender do gosto do sujeito: Ferrari, BMW, Maseratti, Ford… enfim, a lista é grande. Invariavelmente, as opções de modelo recaíam sobre aqueles ultraturbinados, com 6 ou 8 cilindros, dispondo de uns mil cavalos de potência. Quase todos eram esportivos e era difícil achar algum desse tipo que não acelerasse de 0 a 100 km/h em menos de 5 segundos. Lamento informar, contudo, que esse mundo acabou.
Movida pela necessidade climática, primeiro a norte-americana Tesla e, depois, chinesas como a GWM e a BYD, transformaram o que por muito tempo foi um sonho numa realidade bem concreta. Hoje já não é difícil encontrar um carro elétrico transitando até por cidades menores. Há até modelos que figuram entre os 10 mais vendidos em alguns meses. Sim, o carro elétrico veio para ficar.
Obviamente, ainda há muito preconceito contra o carro elétrico. Para além da ignorância de quem nega até mesmo a mudança climática, há gente néscia que fala em “carros pegando fogo” ou “baterias que pifam do nada”. Os únicos carros elétricos que pegaram fogo ultimamente foram os da Tesla, e por razões outras que não alguma falha em suas baterias (foram ativistas queimando os modelos de Elon Musk e suas postagens neonazistas).
Vivendo no Brasil, um receio justificável sempre foi a falta de infraestrutura de recarga. Daí a preferência pelos carros híbridos plug-in, dotados que são de um “gerador” movido a gasolina, capaz de “abastecer” o motor elétrico do veículo. Não por acaso, um dos modelos mais vendidos do país – e que está longe de ser considerado barato – é o BYD Song Plus, carro de altíssimo luxo e desempenho, comparável aos melhores alemães da categoria, por quase metade do preço.
Para quem transita apenas em grandes cidades, isso nunca foi empecilho de monta. Mas viagens mais distantes (acima de 200km) representavam de fato um empecilho. O sujeito podia ir. Entretanto, se não encontrasse algum lugar para recargar o veículo, poderia não voltar. Felizmente, com investimento maciço da própria indústria e de alguns empresários, isso tem mudado.
Fora o problema da falta de infraestrutura, um dos principais empecilhos aos 100% elétricos era o tempo de recarga. Dificilmente você consegue “encher” a bateria em menos de meia hora. E isso nos carregadores ultra-rápidos. Recentemente, no entanto, a BYD informou que desenvolveu um sistema de recarga da bateria em apenas 5 minutos, mais ou menos o mesmo tempo que qualquer um gasta para encher um tanque de gasolina no posto. Claro que essa tecnologia vai demorar a chegar por aqui, mas não é preciso muita imaginação para entender o tamanho do estrago que isso causará nas vendas das montadoras tradicionais. Se replicada globalmente, essa tecnologia pode enterrar de vez a “ansiedade de autonomia” e tornar os elétricos irresistíveis até para os motoristas mais tradicionais.
Aliás, por falar em montadoras tradicionais, tudo que tem se desenhado nessa seara de três anos pra cá apenas demonstra de maneira incontornável a decadência de nomes antes tidos como “vacas sagradas” do mundo automobilístico. Tendo feito a fama e deitado na cama, as grandes montadoras claramente perderam o ritmo e o timing da mudança imposta pelos carros elétricos. A Toyota, por exemplo, ainda aposta 70% de sua produção em híbridos não recarregáveis, enquanto a Ford reduziu metas de produção de elétricos em 2024 devido à baixa demanda.
É verdade que montadoras estabelecidas há muito tempo têm custos altíssimos com fábricas, sindicatos e redes de concessionárias focadas em motores a combustão. Para elas, migrar para veículos elétricos significa abandonar décadas de investimento — um “suicídio corporativo” que muitas hesitam em cometer. Enquanto isso, as chinesas, livres de amarras históricas, constróem fábricas modularizadas, adotam softwares atualizáveis por 5G e vendem diretamente ao consumidor, cortando intermediários. Quando o problema da demora na recarga for resolvido, vai ser difícil convencer um sujeito a gastar quase o dobro do preço por um veículo tecnologicamente inferior e que, no limite, implica mais gastos de manutenção do que os fabricados pelas montadoras chinesas.
Os números, a nível mundial e local, não deixam margem a dúvidas. A BYD, por exemplo, vendeu mais de 4 milhões de veículos elétricos apenas em 2024, ultrapassando a até então invencível Tesla. No Brasil, montadora chinesa vendeu 70 mil carros, um aumento de mais de 300% em relação a 2023. Nada mal para uma empresa cujo veículo de entrada (Dolphin Mini) custa “módicos” R$ 115 mil.
A verdade é que o mundo mudou e as montadoras tradicionais estão ficando para trás. Elas conseguirão tirar o atraso para as concorrentes americanas e chinesas? Difícil dizer. Uma coisa, contudo, é certa: o futuro chegou e ele será carregado na tomada.