Recordar é viver: “O fenômeno do El Niño”

E como 2024 promete apresentar um dos piores fenômenos de El Niño das últimas décadas, não custa recordar uma breve explicação deitada aqui sobre essa tragédia em forma de mudança climática.

É o que você vai entender, lendo.

O fenômeno do El Niño

Publicado originalmente em 8.1.15

Começo de ano é sempre a mesma história: arrependimento pelo excesso de peso adquirido nas festas de fim de ano, juntar dinheiro para cumprir as promessas de réveillon e, pelo menos no Nordeste do Brasil, rezar muito pra São Pedro ser generoso com as chuvas do inverno. À diferença das demais viradas, no entanto, desta vez os paulistanos estão abraçados aos nordestinos nas orações pelas nuvens. Para um lado e para o outro, tudo pode estar a depender de um fenômeno tão antigo quanto mal explicado: o El Niño.

A história de como o El Niño foi descoberto é razoavelmente bem conhecida. Pescadores sul-americanos notaram que, em determinados anos, o produto da pesca caía muito. Geralmente, isso acontecia nos finais dos anos, próximo ao Natal (daí a referência ao Menino Jesus, “El Niño“).  Coincidência ou não, a quantidade de peixes era influenciada de maneira direta pela temperatura do Oceano Pacífico na região. Foi o suficiente para climatologistas de todo o mundo se debruçarem sobre o assunto e procurar entender o fenômeno.

Em condições normais de temperatura e pressão, os ventos alísios sopram no sentido oeste através do Pacífico na altura dos trópicos, fazendo com que o lado asiático do oceano fique com excesso de água. Em relação à porção sul-americana, a diferença de altura na superfície do mar alcança mais de meio metro. Pode parecer pouco, mas, quando se considera a vastidão do Pacífico, dá pra ter uma idéia do tamanho da força envolvida no fenômeno.

Com essa diferença de altura deste lado do mundo, águas mais profundas, mais frias e recheadas de plâncton e outros nutrientes vêem literalmente à tona. Quando isso acontece, o efeito é óbvio: mais peixes aparecerão para se alimentar nas águas. Abaixo, um pequeno resumo esquemático para você entender melhor o que se passa:

No entanto, em determinados anos, sem que ninguém saiba exatamente o como ou o porquê, os ventos sopram com menos intensidade no Pacífico Tropical. Com isso, aquela porção sul-americana que se esbaldava em águas frias e cheias de nutrientes experimenta um aquecimento da água da sua superfície. Resultado: menos pescado neste lado do planeta.

O problema do El Niño é que ele não se resume ao cesto de peixes de pescadores chilenos, equatorianos e peruanos. Com a mudança na temperatura da superfície do Oceano Pacífico, todo o sistema mundial de ventos é afetado.  Eis um resumo do problema:

Pode parecer banal, mas essa simples mudança na temperatura da superfície de uma parte do Oceano Pacífico desencadeia mudanças climáticas em escala global. Visto que as massas de ar mais quentes e úmidas acompanham o Pacífico Equatorial, algumas regiões do mundo são castigadas com tempestades devastadoras, enquanto outras penam uma falta d’água de dar dó.

Apenas para se ter uma noção da magnitude do fenômeno, basta dizer que cientistas já comprovaram que, em anos de El Niño, chove mais nos estados do sul dos Estados Unidos, enquanto a Europa experimenta verões impiedosos. Ou seja: uma mudança na temperatura da água em um Oceano do Hemisfério Sul atinge o clima de países situados no Hemisfério Norte do planeta.

Curiosamente, pessoas esclarecidas aceitam sem contestação a existência do El Niño e suas conseqüências sobre o clima global, mas rejeitam a interferência, por exemplo, do desmatamento na Amazônia sobre o regime de chuvas do Sudeste brasileiro. É dizer: há gente que acredita na influência de um fenômeno que ocorre em outro oceano, a mais de 5000km de distância, mas não aceitam os efeitos de uma ação que acontece aqui ao lado.

O que essas pessoas não conseguem enxergar é que, se há uma coisa que esse fenômeno ensina, é que o nosso planeta se assenta em um sistema climatológico extremamente frágil e delicado, e que qualquer interferência do homem nele pode trazer conseqüências desastrosas para o planeta inteiro. Enquanto todo mundo não se conscientizar disso, continuarão todos os descrentes na contraditória condição de rezar a entidades superiores pelo envio de chuva.

Como dizia Morpheus, fate, it seems, is not without a sense of irony.

Esta entrada foi publicada em Recordar é viver e marcada com a tag , , , . Adicione o link permanente aos seus favoritos.

Deixe um comentário

Este site utiliza o Akismet para reduzir spam. Saiba como seus dados em comentários são processados.