A desinformação eleitoral, ou Os assuntos que não deveriam ser tratados na eleição

Se ontem tentei vos apresentar o problema do autismo eleitoral, hoje gostaria de um tema correlato: os estelionatos eleitorais repetidos a cada eleição.

Entra sufrágio, sai sufrágio, sempre é a mesma ladainha. Assuntos extremamente complexos são tratados ou como panacéia ou como fim do mundo, a depender do lado que formule a proposta. Até aí, novidade zero, porque a primeira vítima na eleição é sempre a verdade. A questão, contudo, é que quase sempre os temas são os mesmos. E maioria deles não implica qualquer transformação na vida do eleitor.

Para que você possa fugir dos lugares-comuns e procurar diferenciar quem está cometendo fraude eleitoral ou parolando ao vento, vamos analisar duas questões recorrentes nessa época de eleições: a reforma tributária e a reforma trabalhista.

Reza a lenda que a maior parte do “Custo Brasil” deriva do caos legislativo tributário que assola o pobre pagador de impostos. Quem tem um bom contador ou conhece as brechas do sistema, consegue bem ou mal escapar. Quem tem o imposto descontado na fonte, como a maioria dos trabalhadores, paga geralmente o pato da sonegação generalizada.

Que é necessário simplificar o sistema tributário nacional, não resta a menor dúvida. O problema é que, em termos de contas públicas, a “reforma” significa uma troca de seis por meia dúzia. Quando se fala em alterar a legislação tributária, quer-se dizer que vai se tornar mais simples e fácil o recolhimento dos tributos em geral. Quem vai além ainda propõe a extinção ou a fusão de alguns deles. Mas ninguém, ninguém mesmo, fala em reforma tributária para diminuir o montante geral da arrecadação. O que se quer, na verdade, é fazer com que aqueles que não pagam passem a pagar, e quem já paga passe apagar um pouco menos.

Como mais gente vai deixar de recolher tanto imposto, sobrará mais dinheiro para o consumo. Com mais dinheiro para o consumo, mais o comércio vende. Quanto mais o comércio vende, mais a indústria produz. E, quanto mais a indústria produz, mais o Governo arrecada. É esse aumento esperado de arrecadação, associado ao aumento da base contributiva, que permite mitigar os efeitos da diminuição pontual da carga tributária em alguns impostos. No entanto, a premissa é a mesma: qualquer reforma tributária é, por definição, um jogo de soma zero.

Quanto à legislação trabalhista, a coisa é ainda mais cômica.

Em primeiro lugar, quase todos os direitos trabalhistas assegurados na CLT estão consolidados na Constituição. Mais precisamente, em seu artigo sétimo. Lá estão salário-mínimo, FGTS, décimo terceiro salário, hora extra superior à hora normal, e por aí vai. Uma vez que os direitos sociais integram o rol dos “direitos e garantias individuais” da Constituição, a sua mudança não pode ocorrer nem mesmo por emenda constitucional, como estabelece o art. 60, parágrafo quarto, da CF/88 (salvo, claro, a possibilidade de o STF passar por cima do texto constitucional, como o fez no caso da contribuição previdenciária dos inativos. Mas isso é outra conversa).

Em segundo lugar, o rol dos direitos trabalhistas não precisa ser “atualizado”. Todas as garantias outorgadas aos trabalhadores não impedem ou tornam dificultosa a contratação de mão-de-obra. O que dificulta e impede às vezes a contratação é a burocracia relacionada aos encargos incidentes sobre a folha de pagamento dos empregados, assunto que tem muito mais a ver com a reforma tributária do que com a reforma trabalhista.

No fundo, no fundo, quando candidato começa a falar muito em “reforma disso” ou “reforma daquilo”, na verdade está apenas parafraseando Tomasi di Lampeduda: para que tudo continue como está, é preciso que tudo mude.

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